major eléctrico


sábado, abril 28, 2007
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Rub-N-Tug: Seis Graus de Separação

Falámos com Eric Duncan em 15.03.2007, mas a entrevista não produziu material suficiente. Rub-N-Tug são naturalmente pouco reveladores e, na verdade, quem somos nós para que nos digam pessoalmente e com detalhe quem são e o que fazem. Basta-nos a música que tocam e a vida que levam. Tentámos por isso perceber que contexto gerou Rub-N-Tug e descobrimos um mundo de relações férteis e duradouras. O texto que se segue foi publicado na newsletter do Lux, em Abril de 2007, a propósito do set de Rub-N-Tug em 28.04.2007. Como sempre, obrigado ao Lux.



O reforço e dependência crescentes, graduais, da internet, ligaram milhões de pessoas por todo o mundo mais rápida e intimamente do que qualquer outra revolução prévia nas comunicações. A internet uniu praticamente todas as pontas que é possível unir e assim é comum dizer-se que o mundo ficou mais pequeno. Muito antes desta realidade, Stanley Milgram iniciava nos anos 60 experiências concretas para provar até que ponto duas pessoas escolhidas ao acaso podiam ser ligadas através de uma curta linha de relações com outras pessoas. A teoria dos seis graus de separação pretende que é possível ligarmo-nos a qualquer pessoa no mundo num máximo de seis relacionamentos. Eric Duncan e Thomas Bullock são um exemplo orgânico, dinâmico, de como esses relacionamentos se desenvolvem no curso natural da vida. Não existe muita nformação detalhada sobre Rub-N-Tug, eles próprios não são muito claros quanto ao seu percurso em conjunto, e então é preciso começar a relacionar outros nomes para percebermos o verdadeiro alcance e fascínio de toda a ideia Rub-N-Tug. Quando perguntámos a Eric quem foram as suas maiores influências, a resposta foi "Tenho de dizer o Thomas, o Harvey, o meu amigo Paul T em Los Angeles, na verdade todos os meus amigos que estão na música e isso, todos nos alimentamos uns dos outros."

SHAWN STÜSSY
Tinha 10 anos em 1965 quando começou a fazer surf. O interesse pelo desporto cresceu ao ponto de começar a desenhar e modelar as suas pranchas e, mais tarde, a fazer o mesmo profissionalmente para outros. Acabou por se estabelecer em Laguna Beach, na Califórnia, em 79, onde montou um negócio. A assinatura que colocava em todas as pranchas que desenhava ou modelava começou também a ser colocada em t-shirts que, para ele, serviam apenas para promover as pranchas. As t-shirts passaram a ser vendidas em lojas de surf. Stüssy e os amigos vestiam muita roupa usada e as calças militares que compravam e cortavam para fazer calções começaram a dar nas vistas. Então a Stüssy passou a vender calções. Depois abriu lojas. Hiroshi Fujiwara levou a marca para o Japão, Michael Kopelman para a Europa. Shawn Stüssy já não é dono da marca que fundou, vendeu a sua parte em 1996 ao sócio e amigo Frank Sinatra Jr. para poder gozar a vida livre de negócios. A influência da marca na comunidade streetwear das últimas quase três décadas é um primeiro passo para se entender um estilo de vida que gera personalidades como Rub-N-Tug.
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HIROSHI FUJIWARA
Nasceu em 1964. Nos anos 80 estava imerso em música, como DJ e produtor, para além de um curso de design de moda na prestigiada Bunka em Tóquio. Vestia Vivienne Westwood e quase só por isso foi apanhado pelo hype, foi a Londres e conheceu Malcolm McLaren, que lhe disse que Nova Iorque é que era. Levou discos e energia de volta para Tóquio, onde passou a representar a Stüssy (loja em Tóquio em 1991). Em 86 era membro da crew hip hop Tiny Panx, com Takagi Kan. Daí nasceu uma coluna de lifestyle na imprensa. Fujiwara gravou em 88, com Kudo (Major Force), «The Return Of The Original Artform», revisto em 2001 por Harvey num maxi para a Mo'Wax (James Lavelle era fã absoluto da cena hip hop japonesa e também da cultura downtown nova-iorquina). De volta à roupa, Fujiwara tinha a Good Enough e gerou um circuito fervilhante de criatividade que dava nas vistas também no Ocidente mais atento. Conhece Michael Kopelman em Londres e pouco depois acontece mais uma aliança trans-oceânica: a loja Hit & Run de Kopelman foi fundamental para o design streetwear japonês na Europa, vendendo pela primeira vez marcas como A Bathing Ape, de Nigo (trabalhou com Fujiwara e a sua importância, hoje, pode ser percebida fazendo google com BAPE e Pharrell Williams). Hoje, Fujiwara continua uma figura venerada na cultura de rua e fez escola com a decisão de se vestir a si e aos seus amigos com as roupas que desenhava em vez de contratar modelos conhecidos para promover as marcas.
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MICHAEL KOPELMAN
Entrou na cultura pela música, foi dos primeiros DJs a passar Hip Hop em Londres, e a paixão paralela por roupa teve episódios nerd como o facto de Tim Simenon (Bomb The Bass) ter usado um blusão seu num video. Kopelman visitou famíla em Nova Iorque durante os 80s e do seu entusiasmo pela cultura de rua nasceu a ligação com a Stüssy. Quis trabalhar com a marca. Já tinha um link anterior porque, numa das suas visitas ao Japão, passou música numa festa da Stüssy. Já conhecia Hiroshi Fujiwara, que encontrou pela primeira vez em Londres quando ambos disputavam o mesmo disco num mercado. Stüssy, Hysteric Glamour, Bathing Ape, aNYthing, Good Enough e Sarcastic são algumas das marcas, na sua maioria japonesas e norte-americanas, que Kopelman começou a distribuir em Inglaterra e na Europa. Abriu a primeira loja ao público em 1997, a Hit & Run. Em 2000 muda o nome para Hideout. Em 2005 soube-se que a Hideout funcionava como uma espécie de distribuidor inglês para os discos super-raros da editora Whatever We Want (Brooklyn, Nova Iorque). São praticamente os únicos produtos não directamente relacionados com roupa que a loja vende.
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PAUL TAKAHASHI
Fundou a marca de roupa Sarcastic em 1997, na Califórnia, depois de trabalhar para a XLarge, associada à cena skateboard. Como Michael Kopelman e Hiroshi Fujiwara, Takahashi é DJ e também tocou em festas da Stüssy no Japão. Quando Harvey começou a ir à Califórnia tocar em 97, a sua influência deixou raízes e em 2001 concretizou-se a associação com a Sarcastic: a mixtape Sarcastic Disco de Harvey era oferecida a quem comprasse roupa na loja da Sarcastic em Tóquio, e uma centena de cópias das 1200 feitas ficou disponível através da base americana da marca. Harvey + Sarcastic continuam com festas regulares. No site harveysarcasticdisco.com diz-se: "A sua presença no sul da Califórnia teve um grande impacto, isso mudou a cena de música de dança em Los Angeles. Ele mostrou-nos como criar uma atmosfera especial para as festas - não apenas misturar e escolher discos obscuros, mas coisas como ter cuidados especiais com o som e a iluminação. Todos os elementos são importantes para o todo. Na verdade, esta atitude e dedicação à qualidade inspirou-nos a dedicar também mais tempo e esforço às nossas produções."
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AARON BONDAROFF
É na verdade A-Ron The Downtown Don, um ícone cool da baixa nova-iorquina quando nem sequer completara 20 anos, estatuto se calhar impossível se não tivesse abandonado o liceu aos 15. Trabalhou na loja da Supreme, foi conselheiro de estilo e tendências e também modelo desta marca de skatewear, chegou naturalmente ao Japão mas respira intensamente a vida de Nova Iorque. A aNYthing apareceu em 2001, pouco depois do 11/9, e é a sua declaração absoluta de estilo. A-ron tem as mãos e a cabeça em tudo, respeita os clássicos e está sempre em cima do que as ruas têm de novo e excitante. A inspiração é a própria cidade e a aNYthing, mais do que uma marca, é um estilo de vida aplicado a roupa e objectos. A loja abriu em Dezembro de 2005 na mesma altura em que os discos da Whatever We Want chegavam à Hideout em Londres. Bondaroff é ainda o principal motor para o sucesso do 205, um clube na baixa de Manhattan que, sem publicidade, fez o seu público a partir da teia de relações pessoais e criativas de Bondaroff. Eric Duncan dos Rub-N-Tug toca no 205 todos os Sábados, sempre que está em Nova Iorque.
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HUGH HERRERA
Tem o domínio H-Track criado desde 1999 mas só em 2004 concretizou esta netradio. Herrera seguiu de longe toda a cena Baleárica, Ibiza e Manchester, durante a década de 80, e criou a sua coisa entre Las Vegas e San Diego. Em 2001 associa-se ao dono do restaurante mexicano Candelas, em San Diego, para um espaço contíguo chamado Lounge Candelas, rapidamente uma referência na cultura relacionada com Sol e Música na Califórnia. Danny Krivit, Alex From Tokyo, Paul Takahashi da Sarcastic e, claro, Harvey, foram DJs programados no Lounge. A residência mensal de Harvey foi importante para o seu estatuto de culto na Costa Oeste. Tal como outros nomes comentados neste artigo, a reputação do Lounge fez-se com acção e conteúdo, não com publicidade. Herrera deixou de ser o mentor do espaço em 2006 mas é sócio de Harvey no Thirty Nine em Honolulu.
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HARVEY
Harvey Bassett é, como se diz, 'maior do que a vida'. É difícil hoje em dia medir a sua influência. Nascido em Londres, cresceu em Cambridge, onde conheceu Thomas Bullock, tocou bateria em bandas punk até que, com Bullock e outros, fundou um soundsystem inspirado nos originais jamaicanos. Chamava-se Tonka Hi-Fidelity e as suas festas mensais em Brighton já eram lenda quando a Acid House atingiu a nação em 88. Harvey ganhou nome com a residência no Ministry Of Sound, em Londres, durante os 90s, descobriu Ibiza e todo o conceito de música baleárica passou a ser central nos seus sets. Em 96/97 é convidado pela Wicked Crew para tocar em Los Angeles e reencontra Bullock, que já tinha trocado Inglaterra por São Francisco e era parte da Crew. Até hoje, a Califórnia é habitat regular de Harvey, onde as noites Sarcastic Disco imaginadas com Paul Takahashi fizeram subir ainda mais o seu culto. É sócio de Hugh Herrera no Thirty Nine Hotel em Honolulu, Hawaii, que considera actualmente a sua base. O hotel funciona como galeria, espaço para música ao vivo e festas onde Harvey intensifica a experiência para quem quer sentir a sua música. O Hawaii é também perfeito para quem pratica surf, como Harvey faz depois de muitos anos como skater. Desde 2005 que se fala no seu álbum com Thomas Bullock, como Map Of Africa.
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CARLOS
Carlos Arias realizou o video de «Ghostlawns» (Antipop Consortium) para a Warp em 2002 mas a sua actividade principal é como editor de imagem. Ganhou o prémio AICE na categoria de comédia em 2006. Depois de organizar as festas Record Club NYC com Phil South, no início em ambientes privados (significando as suas casas ou de amigos, cada pessoa levava 10 discos e uma garrafa de vinho), a ideia cresceu para a noite No Ordinary Monkey em 2004. Carlos passa discos na sua noite, onde já tocaram os !!!, Harvey e, regularmente, Rub-N-Tug, parte do núcleo duro que alimenta tudo isto. Em 2005 aparece sem anúncio a editora Whatever We Want com discos de Bobbie Marie, Quiet Village, Map Of Africa e Otterman Empire. Carlos alimenta activamente a desinformação sobre a editora que fundou, nas poucas entrevistas conhecidas. Zero publicidade, mais uma vez. Menos é mais.
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ERIC DUNCAN
Eric Duncan cresceu com Paul Takahashi na Califórnia, e em 1986 passava o tempo em casa dele a ouvir discos de hip hop e electro, coisas que o irmão mais velho dele comprava. Depois de um dia de skate iam para casa de Takahashi e era isso que faziam. Dez anos depois, Eric vive em Nova Iorque. Com DJ Spun, da editora Rong, é How & Why. Michael Kopelman e A-Ron são amigos de longa data. A interminável rede de relações de que é feita esta história fica completa, no assunto Rub-N-Tug, pelo encontro entre Eric e Thomas Bullock através do amigo comum Paul Takahashi numa festa em L.A.

THOMAS BULLOCK
Thomas é amigo de Harvey desde Cambridge e dos tempos do soundsystem Tonka, mas em 91 mudou-se para São Francisco, onde integrou a Wicked, uma espécie de promotora de festas que fez história na Califórnia durante a Era Rave e praticamente criou a cena house psicadélica na Costa Oeste. A meio dos 90s, quase coincidindo com Eric Duncan, Thomas muda-se para Nova Iorque, onde continua a produzir house para a Greyhound (editora de Garth, da Wicked) ao mesmo tempo em que a sua nova banda, A.R.E. Weapons, começa a gerar parte da cena rock/electro que hoje conhecemos. Thomas saiu em 2002. As suas novas bandas são Map Of Africa, com Harvey na voz e bateria, e Bobbie Marie, com Rene Perez. Fez edits para a Whatever We Want com o nome Otterman Empire.

RUB-N-TUG
As festas Rub-N-Tug, Disco Theatre Of Manhattan ou Campfire, todas com Thomas e Eric, ganharam fama de sítios para ir, a verdadeira experiência disco-punk que começou realmente num antigo salão chinês de massagens a que os americanos chamam rub and tug. Os discos eram tocados sem sequências lógicas de géneros ou épocas, o som cortado para ouvir os gritos das pessoas, tudo contra as regras do livro correcto de DJ e captado, tanto quanto possível, no CD «Campfire» em 2005. Géneros associados sob o nome Disco injectaram novo entusiasmo na música de dança, eternamente revolucionária mas rapidamente conservadora quando cada revolução se instala. Rub-N-Tug oferecem sets mais polidos no Fabric, em Londres, onde se tornaram residentes (Fabric 30 é um CD que, mais do que o ambiente de festa, mostra a música actual que usam nos seus sets). Em 2006, a segunda mixtape de Rub-N-Tug para a aNYthing, «Better With A Spoonful Of Leather», actualizou a sensibilidade cósmica de DJs do passado como Daniele Baldelli e Beppe Loda. Eric situa a mixtape nas 8 da manhã, a selecção de música tocada em rotação lenta torna a audição numa coisa narcótica e suspensa no ar. Rub-N-Tug sumarizam a intensidade dos momentos importantes na música de dança desde que o Loft abriu portas em 1970, os seus melhores sets prestam homenagem simultânea a Loda, David Mancuso, Larry Levan, Ron Hardy, François K e Harvey, são momentos de pausa no continuum histórico em que se revê muita matéria e nos ocorre que tudo o que fizemos até então se destinou a conduzir-nos àquele local. Se formos pessoas intensas, é como experimentar um novo grau zero, a partir do qual tudo é de novo possível. Apenas com música a tocar em fundo.
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2 Comentários:

em 12:12 da manhã, Anonymous Anónimo disse...

muito bom!
Não fazia ideia que a «cena» vinha de há tanto tempo, nem tinha tantos contornos.
obrigado.

 
em 6:02 da tarde, Blogger Major Eléctrico disse...

É um exemplo de como uma entrevista que não produz resultados directos pode excitar a investigação : )

 

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