major eléctrico


sexta-feira, outubro 27, 2006
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Entrevista: Manuel Mota

Em 1991 ouvimos uma cassette gravada ao vivo na cisterna da ESBAL. Som péssimo, capa feita à mão e um nome encontrado pela mera junção casual de letras: Vcorux Aeia. Algures entre o industrial 'concreto' (Einstürzende Neubauten?) e música improvisada (enfim, com toda a liberdade que o termo implica), o som na cassette mostrava Manuel Mota à procura de uma via que pudesse ser sua. Muito longe ainda do discurso pessoal na guitarra que se lhe reconhece hoje, mas certamente o ponto de partida para um percurso claramente assente na depuração. Enquanto vencedor da Bolsa Ernesto de Sousa em 1995, MM beneficiou de uma estadia em Nova Iorque, onde pôde perceber os parâmetros do meio musical em que se inseria. A energia extra trazida de volta resultou, por exemplo, na criação da editora Headlights, mas 10 anos mais tarde afasta-se voluntariamente de qualquer meio musical para fazer avançar a sua música. Falámos com MM no dia seguinte a um dos seus raros concertos a solo, no festival Where's The Love (ZDB, Lisboa, 19.05.2006).

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Tivemos a sorte de assistir a um concerto teu ontem à noite, não tens tocado muito sozinho...
Tenho tocado fora mas aqui em Lisboa já não tocava sozinho há 2 ou 3 anos.
Como é que decides se tocas sozinho ou com alguém? É uma necessidade que parte de ti, são convites?
Sinto necessidade das duas coisas. Mas mesmo tecnicamente preciso de tocar sozinho porque muitas vezes em grupo há cedências, outra maneira de compôr em que não é necessária tanta densidade...
Quando recebes um convite para integrar um grupo num determinado concerto pensas se o teu som se vai adequar aos músicos com quem vais tocar ou aceitas o desafio sem pensar muito?
Até há bem pouco tempo aceitava quase tudo pela experiência, tendo muitas vezes a certeza de que o resultado não iria ser muito consistente, se calhar várias direcções em simultâneo... Mas às vezes aceitava ou a título pessoal, por conhecer as pessoas, ou pela experiência que achava que poderia enriquecer a minha vida. Por outro lado pensaria que o resultado poderia não ser tão bom e, às tantas, será que é legítimo estar a apresentar ao vivo uma experiência com fortes probabilidades de sair falhada?
Nestes anos todos de experiências conseguiste identificar claramente a companhia perfeita para ti enquanto músico? Instrumentos... um tipo de sonoridade que te seja mais natural quando trabalhas em colaboração?
Instrumentos que venham da escola do jazz, acho eu. Gosto imenso de tocar com trompete, não sei se devido ao facto de ter tocado imenso com o Sei Miguel. Sinto-me muito confortável a tocar com a Margarida [Garcia], por exemplo, se calhar por termos tido tantos anos de trabalho muito regular. O que tenho na cabeça, o que gostaria de apresentar, com ela costuma aparecer.
As tuas preferências resultam então da tua experiência e não de decisões antecipadas, ‘gostaria muiito de tocar com aquele instrumento’, ‘com aquele músico’...
Sim, já me aconteceu.
Exemplos?
Joe McPhee! Por outro lado, apesar de gostar de trabalhar em grupo, neste momento estou um bocadinho cansado de meios musicais...
Mesmo sozinho tens de estar num meio musical.
Mas quando digo sozinho é quase em casa, como no início. Não tanto furar, arranjar concertos, ir tocar ao estrangeiro... estou um bocadinho cansado. Estou com saudades de voltar ao início.
Mas no início andavas à procura de qualquer coisa, a elaborar a tua técnica, à procura do teu discurso. Agora não é assim... Ou ainda achas que sentes necessidade de...
Praticar...
Progredir?
Sinto, muito. Desde o momento em que houve uma mudança de uma maneira de tocar – drones, mais minimalista – e agora estou a tocar sons mais tradicionais... Houve uma mudança em 96 de uma fase para a outra. Desde o momento em que comecei a tocar guitarra mais tradicionalmente tenho vindo a encontrar sempre, até hoje, pontos para melhorar, ideias para desenvolver, muito mais do que antigamente em que estava a ver-me a chegar a um beco sem saída: já não tocava, deixava os sons acontecerem, era quase mais científico, conceptual.
Quando começaste a tocar pensaste na guitarra como um instrumento de mil possibilidades ou apenas no uso tradicional que uma guitarra tem?
Comecei pelo uso tradicional, mas como auto-didacta.
O rock?
Não tocando rock, mas tive durante uns meses aulas na Diapasão quando tinha 16 ou 17 anos.
Mas, para ti, a imagem da guitarra estava conotada com o rock? Foi isso que te fez pegar na guitarra?
Sim, acho que nessa altura praticamente só ouvia rock, tinha começado a ouvir algumas coisas de jazz e algumas coisas mais experimentais que um amigo me tinha mostrado. Nunca aprendi a tocar uma canção, nenhum tema de rock, nada disso. Soube uns acordes de blues e uma escala em que podia solar com os discos, e era o que gostava mais de fazer quando aprendi. Punha um disco e ia solando com aquilo. Mas logo nessa altura comecei a ter acesso a outras músicas. Nunca tive uma ideia muito concreta do que iria fazer, acho que se foi construindo tudo quase instintivamente.
Tens algum mapa mental para a guitarra enquanto espaço físico? Tens zonas de actuação preferidas na guitarra ou encara-la sempre como território virgem?
Quando começo a achar que estou com vícios, um dos exercícios que faço é tentar abandoná-los.
Isso pode acontecer durante um concerto?
Pode acontecer. Por um motivo ou por outro posso estar desconcentrado, a pensar noutra coisa e a tocar ao mesmo tempo. Isso é péssimo. Normalmente acontece quando toco muito, se estiver a tocar menos acabo por estar mais concentrado.
Tens alguma forma, antes dos concertos, de chegares mais próximo da concentração ideal?
Nos momentos antes prefiro não estar a assistir a outros concertos, especialmente se for uma coisa muito distante daquilo que vou fazer.
E durante um concerto já alguma vez te desconcentraste por culpa do público?
Ah não, acho que nunca tive problemas por causa do público.
A tua música, pelo menos no registo a que pudemos assistir ontem, exige algum respeito para se poder disfrutar como deve ser. É feita de pequenos pormenores, muitas pausas.
Eu, como performer, vá lá, consigo lidar bem com o ruído exterior, isso não me afecta muito. Consigo jogar com isso, consigo estar concentrado, desde que não seja muito...
Aceitas isso na tua música, consegues desligar...
Aceito. Acho que é mais exigente para o público. Não me agrada que isso aconteça mais pela forma como o público depois vai receber a música. Não vou tocar pior por causa disso mas acho que o público não vai conseguir ter o mesmo nível de concentração.
Como é que tens encarado os diferentes públicos um pouco por todo o lado onde tens tocado? O grau de respeito, a atenção, como é que tens notado essas variações?
Eu toquei sempre em situações meio especializadas, em eventos onde só há este estilo de música ou parecido, não me lembro de me sentir assim deslocado... Ah, lembro-me de uma má experiência com o público, no Porto. Fui tocar a solo, o Oren Ambarchi estava cá, íamos fazer dois solos. Mas pronto, a começar pelo cartaz que estava à porta, foi tudo mau. Dizia Guitar Jam, Oren Ambarchi estava mal escrito, depois afinal havia aulas de tango à hora a que devia ser o concerto, depois o concerto tinha de ser mais tarde, afinal ninguém sabia que ia haver concerto, por isso não havia quase público e o público que havia era... Não era tanto a questão de ser barulhento, não era público, estavam à conversa, estavam de costas, não queriam saber. Lembro-me de estar a tocar e apareceu um gato, que ficou parado à minha frente... a ouvir. E eu pensei que estava a tocar para o gato, só. Mesmo literalmente. Mas entretanto alguém tirou o gato dali, fiquei sem público... Depois o Oren Ambarchi foi tocar, aconteceu a mesma coisa, mas ele tinha uma segunda parte em que atingia volumes, dinâmicas muito mais altas, e aí as pessoas, como já não conseguiam estar a conversar, sairam. Foi mau porque íamos lá para apresentar qualquer coisa e ninguém estava minimamente interessado. Enquanto não incomodássemos eramos suportáveis. Sentimo-nos desprezados, nunca é agradável.


Tens alguma noção da tua carreira em termos de Antes de Nova Iorque e Depois?
No fundo essa foi a minha primeira experiência internacional e foi logo quase de choque, porque eu estava sob a tutela do Phil Niblock, que é altamente social, conhece toda a gente, pôs-me em contacto com toda a gente e toda a gente se mostrava altamente interessada no meu trabalho.
Verdadeiramente interessada?
Hm, acho que não, acho que era tudo social. Mas pronto, mantive contactos desde essa altura, foi muito positivo. De repente conhecia toda a gente, todos os meios, John Zorn, Donald Miller, Borbetomagus...
Queres contar um pouco do percurso que levou à ida para Nova Iorque?
A Bolsa?
Sim.
Já sabia da Bolsa [Ernesto de Sousa] desde o primeiro ano em que tinha acontecido, tinha ganho o Feliciano.
Ganhaste em que ano?
95. Eu era estudante de arquitectura e estava a fazer música ao mesmo tempo, e como aquilo era uma bolsa de arte intermedia, achei que podia contribuir.
Qual era o teu desejo com a bolsa?
Acho que Nova Iorque, uma experiência nova.
E o que é que trouxeste de lá?
Enquanto lá estava, no fim, cheguei a tentar ver se conseguiria arranjar emprego e ficar por lá. Quando cheguei cá, estava lá quase há 2 meses, habituado àquele ritmo, e quando venho de avião dão-me um jornal português e eu vejo assim um vazio total de coisas a acontecer, não havia concertos, não havia nada. Depois andei aí meio em choque durante 2 ou 3 semanas, ali em Benfica, num café, na esplanada, estava de férias... Mas no fundo acho que não trocava.
Mas ao querer continuar lá estarias no fundo a querer continuar no meio?
Não, o mais importante foi viver a cidade. Não foi tanto uma experiência a nível artístico, foi só apreensão... Assisti a imensos concertos, foi mais isso.
Conheceste alguém que já admiravas?
Conheci o La Monte Young, por exemplo, e o David Tudor, que já estava a morrer, estava cego... John Zorn, que também foi importante. Muita gente. Toda a cena improvisada de Nova Iorque.
Uma das coisas palpáveis que resultaram da tua estadia foi a criação da editora Headlights. Tem sido uma experiência positiva para ti?
Sim sim. Mas quanto ao processo, não me agrada trabalhar numa editora, não sou a melhor pessoa para fazer isso.
És tu que tratas de tudo?
Nisso não houve grande evolução.
Os contactos para distribuição são antigos? Ainda fazes novos contactos?
Tenho feito novos contactos. Não mantive praticamente os contactos iniciais, porque a minha direcção mudou.
De qualquer maneira continuas com a editora, abriste-a a outros músicos.
Está em hibernação.
Editar um disco não era tão fácil como hoje, agora há CD-Rs... Não é por isso que editas mais.
Não não. Por opção não me agrada editar demais. Já toco demais... O processo para o próximo tem sido meio doloroso, tenho gravado imenso em casa, depois faço escolhas, mas neste momento quero que sejam temas quase com tempo de canção, à partida serão todos muito parecidos, ou seja, é uma canção em vários takes, mais ou menos. Esse é um dos discos que quero fazer agora. O outro é uma peça longa. Mas... não gosto de estruturar no papel um tema porque quando me pergunto “porquê” acho supérfluo e então acabo por abandonar isso, acabo por tocar instintivamente.
Passa-te pela cabeça reproduzir ao vivo música que já gravaste em determinado disco?
Mas muitas vezes faço isso. Como não uso notas, chego a pensar por vezes em começar um concerto como um determinado disco. O modo como é utilizado o silêncio, a dinâmica. Mas determinados amplificadores ou som ou guitarra fazem-me tocar de maneira diferente.
Já mudaste muitas vezes de guitarra?
Estou com a mesma guitarra há 7 anos.
E é com ela que tocas sempre?
Sim. Nos últimos 2 anos tenho estado também a tocar com guitarra acústica, mas ainda não toquei ao vivo, ainda estou a aprender.
Tiveste uma fase com uma outra guitarra acústica, qual era o nome dela?
Ah, sim sim. A Dobro. Fui vencido.
Como é que isso correu?
Comprei essa quando quis entrar pela acústica, estive a batalhar durante 1 ano mas ela ganhou. É uma guitarra que soa bem se for tocada com muita intensidade, é muito feita para blues, não é tanto para dedilhar, e ainda por cima o meu dedilhado acaba por ser mais suave do que o das outras pessoas, eu não uso unhas nem nada nos dedos, portanto não conseguia fazer-me ouvir... Assumo a derrota.
Como é o teu esforço físico quando tocas mais empolgado, quando esmagas as cordas com a mão, por exemplo. Dói?
Dói às vezes quando bato na ponta, mas acho que o maior esforço, e num concerto acaba por ser o mais cansativo, é quando consegues estar concentrado durante o tempo todo. A concentração, mais do que qualquer esforço físico.


Voltando ao teu diálogo com outros músicos, já trabalhaste ou consideras a hipótese de trabalhar com voz em vez de apenas com outros instrumentos?
Já trabalhei com vozes há muitos anos num projecto de homenagem ao Rimbaud, de uma organização chamada Saldanha, fizeram uma coisa no Coliseu e convidaram-me para fazer a música nos interlúdios das bandas pop que lá tocavam, eu fazia os interlúdios com o Al Berto, que recitava poesia dele inspirada em Rimbaud e eu tocava em simultâneo.
E a voz no mesmo registo de improvisação dos instrumentos?
Não sei se isso me agrada.
Tens medo que saiam palavras dali?
Ah não, não, desde que eu não tenha de as assumir...Não sei, a voz a improvisar...
Tipo Phil Minton, consegues-te imaginar a dialogar com ele?
Consigo dialogar mais ou menos com qualquer coisa, mas não no tipo pergunta-resposta, isso não. Prefiro trabalhar em paralelo do que em interacções directas, e quando os grupos são maiores isso não é bom para a música. Com grupos grandes isso quer dizer que uma pessoa acaba por destacar um elemento do grupo para dialogar e o resto passa para outro plano. Isso normalmente acontece quando um toca um bocadinho mais alto e tu agarras-te a esse.
Isso é recorrente no jazz...
No jazz e ainda mais na música improvisada, e acho que isso acaba por estruturar os temas todos da mesma maneira: começam todos baixinho, depois gradualmente todos a tocar cada vez mais até um caos, acho eu, sem grande interesse, e quando acham que já é demais começam todos a baixar ao mesmo tempo. Acho que isso é por as pessoas não estarem concentradas no global, fazem audições de elementos do grupo e põem outros de parte. Isso até aprendi com o Sei Miguel.
Tens tocado muito com ele.
Desde 98 até agora.
Consegues identificar o que aprendeste?
Foi imenso. Quando comecei a trabalhar com ele estava farto dos drones, já não tinha nada a dizer, sentia falta de tocar guitarra outra vez. Ele assistiu a um concerto meu na Sala do Risco, em que apresentei uma primeira parte de drones e uma segunda parte a tocar, e eu já tinha falado a uma pessoa em comum que gostaria de trabalhar com ele. Acho que lhe deve ter sido dado esse recado, um dia ou dois depois ele ligou-me a perguntar se eu estaria interessado.
No primeiro dia em que nos encontrámos foi só conversa, fez-me imensas perguntas sobre o que é que eu queria...
Foi quase uma entrevista de emprego.
Acho que ele queria era saber como é que havia de trabalhar comigo. Eu disse-lhe que não estava interessado em usar gadgets, queria tocar com as duas mãos mais ou menos independentes, usar os dedos todos, e ele depois ajudou-me, quase que criámos a técnica, ele é muito metódico (eu sou o oposto, acho). Entrega sempre tudo escrito, inventava exercícios, e foi assim também que construí a minha maneira de tocar, com o método dele. Pelo menos sei que nunca teria sido tão rápido se não tivesse tido a ajuda dele. E ele não é guitarrista. A audição global também foi um conceito transmitido por ele... São coisas em que eu não penso, mas sendo ditas tão claramente ajudaram-me imenso.
Antes de trabalhar com o Sei Miguel estavas numa fase de liberdade, e o Sei Miguel aparentemente contraria isso. Não te assustou?
Acho que se tiver parâmetros, como acontece com o Sei Miguel, às tantas sinto muito mais liberdade a tocar em peças dele com menos espaço de manobra, sinto-me muito mais livre e criativo do que se calhar em situações de música improvisada em que nada está decidido, não há quase conversa com os outros músicos.
Então quando disseste que te querias esconder e tocar sozinho em casa é para voltar a não ter esses tais parâmetros?
Não não, estou a utilizar esses parâmetros. Não é para mudar de direcção. Neste momento o que me sinto é cansado de expectativas e prefiro sentir que ninguém me conhece. Fiquei cansado de tocar demais, fiquei cansado do meio do jazz, não me está a apetecer lidar com o meio da música improvisada. Acho que poucos são os músicos que pensam mais no próprio trabalho do que no que hão-de fazer para arranjar concertos ou entrar em festivais ou editar. Tenho visto pouca reflexão sobre o trabalho.
E sentes que tens mais progressão a fazer, procurar outras coisas na tua música?
Eu sei concretamente o que quero fazer, não é bem um momento de reflexão. Só quero ter esse espaço... Mas estou cansado daquilo tudo. Vou só tocar quando tiver alguma coisa para dizer, não tanto para alimentar o meio.
Isso é aprender a dizer Não.
Ainda estou no B-A BA mas já estou a conseguir. Neste momento cheguei à conclusão de que não vou conseguir viver da música fazendo aquilo em que realmente estou interessado. No fundo é assumir também uma derrota. Ainda há um ano pensei: Estou a dar aulas mas estou-me a prender, agora vou fazer a tournée pelos Estados Unidos, vou à Alemanha, França e não sei quê, por isso vou desistir das aulas, faço isto tudo e depois continuo com o mesmo ritmo. É claro que fiz isso tudo mas não continuei com ritmo nenhum porque isso tinha resultado de convites. Não posso estar dependente de convites que não sei quando surgem . Isso parou, entretanto desisti das aulas que estava a dar... Por outro lado fez-me pensar, acho que consigo melhor trabalho, o mesmo reconhecimento ou mais se não estiver tão presente e a tocar tanto. Não necessito.. Necessitaria se fosse por dinheiro, mas como os concertos não envolvem dinheiro não faz sentido, só me estou a cansar mais e a cansar as pessoas também.
Como é que vai ser a tua vida, para alimentares a música da forma que queres? Vais continuar a dar aulas? É o teu outro lado?
Não, é mesmo por necessidade. Não é um grande sacrifício, gosto de lidar com os alunos pessoalmente, aprendo com isso, mas confesso que não o faria se não fosse por necessidade.
Se pudesses ter só a música, terias? Ou tens outro tipo de interesses que poderiam equilibrar...
Desenho. Nos últimos 2 anos tenho desenhado mais. Sem ambição.
Já que dás aulas de desenho...
Geometria descritiva.
...Nunca pensaste em dar aulas de música?
Acho que não tenho capacidade, tinha de conceber mesmo um método e não tenho método para dar.
Tens registos visuais da tua música, para além das gravações?
Não. Sempre pretendi que fosse oral. Quando trabalhava com outras pessoas tentava que fosse sempre só em conversa, que não ficasse mais nada. Porque era uma das coisas que me incomodava, ter um esquema para o qual eu olhava e pensava: É supérfluo.
Não tens mesmo vontade em transmitir a tua maneira de encarar a música?
Acho que a maneira como tenho estado a fazer as coisas não é de todo nova, acho que é o mais antiga possível. É mais tocar, uma prática de dia-a-dia mais do que um conceito académico muito racional. Não tenho nada disso, por isso é que me seria muito complicado transmitir fosse o que fosse, em música.

fotografias por Pedro Alfacinha

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quarta-feira, outubro 25, 2006
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Compras 23.10.2006

Companion «This Is A Test» 7" Barclay 1981
Boris Midney «D-D-D-Dance» 12" MI 1983
Companion é outro dos nomes para Boris Midney. O subtom electrónico em algumas das suas produções coloca esta música não dentro do Disco mas ao lado. «This Is a Test» e em particular «o lado B «Step On Out» têm arranjos fora do normal; «Step On Out» falha um pouco no refrão, de resto é uma canção Disco quase imaculada que não revela de forma alguma o ano em que foi gravada: 1981. Menos ainda o inacreditável «D-D-D-Dance», dois anos à frente, a milhas de tudo o que já ouvi em música de dança da época. Versões vocal e instrumental mais duas faixas de beats totalmente dominadores, por este produtor russo emigrado para Nova Iorque nos 70s.
Deutsch Amerikanische Freundschaft «Gold Und Liebe» LP Virgin/Edisom 1981
Os DAF inventaram a Electronic Body Music com a mistura entre máquinas e sexo. Edição portuguesa de 81, inclui «Liebe Auf Den Ersten Blick», «El Que» e mais 8 temas sem prisioneiros. Punk minimal, chamavam alguns.
Set The Tone «Shiftin Air Affair» MLP Island/Dacapo 1983
Ao folhear algumas edições da «Música & Som» (muito cuidado com a actual versão zombie online), reparei num texto de Amilcar Fidélis sobre discos esquecidos de 1983. «Shiftin Air Affair» estava na lista. Street funk/electro cruzado com o tipo de cena de A Certain Ratio, pouco comercial, soa estranho até, «All Tied Up» parece que vai começar a ser House, a certa altura. Demasiada voz nesta faixa mas, nos intervalos, wow!
Lipps, Inc. «Pucker Up» MLP Casablanca/Phonogram 1980
Inclui «How Long», não na desejada versão 12" (é uma questão de tempo). O resto esquece-se muito facilmente.
Dennis Parker «Like An Eagle» 7" 1979
Última faixa em «Creature Of The Night» de Radio Slave, incrível balada Disco, derrete tudo à passagem. O rosto clone (não se consegue ver se usa Levi's e botas de operário de construção civil) ajuda no carisma desta canção sobre engate. O lado B soa demasiado Village People.
Supermax «Love Machine Part I & II» 7" Atlantic 1977
Supermax «African Blood Part I & II» 7" Elektra 1979
You can call him AL: na festa da Flur/Bica do Sapato neste Verão fiquei sintonizado em Peter Green e Supermax, duas coisas que o AL passou e arrasaram. Supermax é Kurt Hauenstein, austríaco louro e de bigode frequentemente rodeado de negros em ambiente Funkadelic. «African Blood» e «Love Machine» já são conhecidos de re-edits, estas são as versões fragmentadas em 7" (mais uma vez, conseguir as versões inteiras em 12" é uma questão de tempo), mas a riqueza e poder de ambas as faixas esmagam. «African Blood» tem o mistério da selva africana aplicado a uma pista Disco. demasiado bom!
Peter Green «In The Skies» LP PVK/Rossil 1979
Fundador de Fleetwood Mac e, depois, uma das cabeças com sérios problemas de droga nos 70s, Peter Green tinha os blues no sangue mas este álbum ultrapassa a categorização. «Tribal Dance» é a óbvia referência baleárica aqui, ritmo e luz em harmonia perfeita, mas «Just For You» é a balada em que a voz tem reverb e o coração bate mais. Metade do disco é demasiado FM, a outra metade faz pensar em coisas óptimas que NUNCA iremos descobrir em álbuns aparentemente repelentes dos 70s.

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sábado, outubro 21, 2006
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Museu Cósmico: Museu do Chiado 22.10.2006



Música por RMA
Entrada Livre
Museu do Chiado
Domingo 22.10.2006, 16h
"Kosmischer Pitch"

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quinta-feira, outubro 19, 2006
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PODCAST 005: White Funk UK 1980s

White Funk ficou uma expressão tão normal nos 80s como Blue eyed Soul havia sido nos 70s. Músicos brancos a utilizarem invenções (pode-se dizer assim?) negras. Com centro em Sheffield ou, pelo menos, no norte de Inglaterra, seguramente pela expressão da cena de clube Northern Soul, o funk branco inglês tornou-se porém num género conotado com o Industrial, apenas justo em poucos casos como Hula ou os primeiros Cabaret Voltaire. Ensaiava-se uma forma de música para dançar que procurava ligação com ritmos exóticos mas tinha a alma cinzenta da poluição urbana. O que vos propomos é uma selecção parcial de alguma música firme numa época mas que chega à actualidade acima das manchas que a década de 80 deixou.
Link directo aqui, alinhamento deste episódio aqui em baixo:

> Perennial Divide «Captain Swing» 1986
> Flux «The Value Of Nothing» 1986
> 400 Blows «Return Of The Dog» 1983
> Chakk «Take Your Time» 1986
> Screaming Trees «Asylum» 1987
> Hula «At The Heart» 1986
> C Cat Trance «Screaming (To Be With You) - Volta Rouge Mix» 1986
> Stump «Bone» 1988
> Cabaret Voltaire «White Car» 1987
> Mark Gouldthorpe & Simon Hinkler «Shipwreck On The Moon» 1986
> Shriekback «Accretions» 1982
> ABC «Alphabet Soup» 1981
> Heaven 17 «Play» 1981

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sábado, outubro 07, 2006
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New School (5)



New School quando na verdade tudo soa old-school? Produtores de agora, sons antigos, quando a combinação resulta, resulta mesmo. Homenagem ao compromisso ideal em mais uma série de maxis:

JTC «Psychedelic Mindtrip/Sound Of Winedrinking» 12" Crème 2006
JTC «Pum Up The Planet» 12" Crème 2006
Tadd Mulinix outra vez, a esconder um pouco melhor o pseudónimo James T Cotton em JTC. Não só Chicago mental mas, em «Pum Up The Planet» chega a soar como James Ruskin em 1998. Desolado, pouco para dançar, mas vibrante e totalmente em sintonia com o espírito Global Darkness da Crème.
Africans With Mainframes «Mogadishu» 12" Crème 2006
Jamal Moss + Noleian Reusse assumem as raízes africanas desta música (Roland 808 = tambores) e dão às 4 faixas do maxi nomes de cidades e países africanos. Temas Jack em estado de graça, nunca bem Acid, circulares, desolados como as paisagens mas tensos como uma ameaça para chegar não se sabe de onde.
Tin Man «Keys Of Life Acid» 12" Keys Of Life 2006
Tin Man «Love Sex Acid» 12" Keys Of Life 2006
Acid correcto, sem desvios, limpo, a soar sentimental (na linha de «I Love Acid» de Luke Vibert) especialmente, claro, em «Love Sex Acid». Frankie Knuckles, Larry Heard e até Emmanuel Top são mais ou menos convocados neste exercício claro de nostalgia que deixa um sorriso sereno e os olhos virados para cima.
Redshape «Telefunk» 12" Styrax Leaves 2006
Detroit não pára de iluminar cabeças noutras terras, Redshape conserva o drama das produções mais grandiosas, Espaço, continentes por explorar em «The Playground» e,
mais próximo da Terra, ensinamentos de Carl Craig evidentes em faixas de «Telefunk», mais lentas e evolutivas. Não parece existir um pingo orgânico nestas produções, o que apenas reforça o conforto de se estar fora daqui.
Martin Buttrich «Full Clip/Programmer» 12" Planet E 2006
Produziu incontáveis discos de Timo Maas, alguns de Loco Dice e edita na Planet E de Carl Craig, mas mesmo que não se preste atenção a nada disso é possível chegar lá por conclusões próprias: provavelmente o melhor maxi de house em 2006. Tudo certo, evolutivo, estratégico, sem excessos.
Tony Allen «Moyege» 12" Honest Jons 2006
Remisturas de Mark Ernestus (Rhythm & Sound, Maurizio). No lado A acrescenta mais espaço ao som original, mantendo a voz e o feel geral de pop nigeriana, mas no lado B a mistura Disco Dub parece unir na perfeição as técnicas de Rhythm & Sound com o ambiente de Arthur Russell e passa a ser, efectivamente, a melhor cena disco-not-disco do ano? Sóbria e, ao mesmo tempo, incendiária, quando se deixam arder na cabeça os muitos minutos de duração.

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domingo, outubro 01, 2006
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Sr. Ming (5): Lux 04.10.2006

Charles Middleton

My head is a night-club
Club-clubbed to dull drums
Beating to slow
To Dance or to breathe or to dance
I insist that you cut in
I'm drinking I'm drinking
I'm drunk

(Rowland S. Howard «Dull Day»)

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